quarta-feira, 2 de novembro de 2011
terça-feira, 31 de maio de 2011
domingo, 10 de abril de 2011
Sobre a
exposição “Aquário dos animais” (Thais Rivitti)
De onde vem essas figuras estranhas que habitam as pinturas de
Tatiana Cavinato?
Onde essas criaturas vivem? Como se atrevem a surgir na tela,
assim, de chofre, com tão poucas referências ao mundo cotidiano, às ruas de
grandes metrópoles contemporâneas, às imagens publicitárias, a programação da
TV, aos personagens mais ou menos banais que nos habituamos a encontrar por aí?
Essas pinturas nos provocam. Contrariam, de certa forma, um
caminho profícuo aberto também por outros jovens pintores: o de recolher
imagens comuns, da internet ou de câmeras de vigilância, por exemplo, e
transportá-las para o interior do campo pictórico. As pinturas de Tatiana quase
nos indignam. Como se ainda fosse possível simplesmente inventar um mundo
paralelo, com bichos fantásticos, seres excêntricos e paisagens irreais. Como
se nosso imaginário – e o da artista também, por que supor diferente? – não
estivesse colonizado pelo empobrecido universo da cultura imagética no qual
vivemos, assistindo a uma sucessão de imagens facilmente codificadas, tratadas,
já prontas para o consumo. Como se ainda fosse possível para um artista pintar
cenas de lugares exóticos, afastados, distantes da civilização como fez Gauguin
no Taiti. Como se fosse possível, ainda, para a pintura, alcançar uma dimensão
humana subjetiva, psicológica, profunda como pretenderam alguns pintores
expressionistas. Como se o decorativismo de Matisse não tivesse sido capturado
pela industria, hoje sendo encontrado em diversos produtos à disposição no
mercado. E finalmente como se a cor estridente, não naturalista, das telas
fosse capaz de nos mobilizar, logo a nós que já nascemos com lógica da arte pop
incorporada. Pensem nas infinitas imagens de Marilyn Monroe que Warhol
reproduzia em suas serigrafias “pintando-as” ora de rosa, ora de azul, prateado
e por aí em diante.
Nesse conjunto de obras, seres mitológicos e animais convivem com
formas quase humanas: cavalos coloridos (mais uma remissão, dessa vez a Chagall
que, sem dúvida, os quadros de Tatiana suscitam), as pombas estilizadas, feras
com dentes afiados. E, nessa profusão de figuras, encontramos novamente temas
clássicos da pintura, muitos deles, aliás, caros a própria arte moderna que os
revisitou com frequência. Dos faunos dançando (estariam ensaiando a dança de
Matisse?) às modelos posando, deitadas em camas ou sentadas em bancos.
Aos poucos, percebemos que a jovem artista mineira mobiliza, em
sua primeira individual em São Paulo, um amplo repertório da pintura. Mais
especificamente, talvez, da pintura moderna, as obras-primas de seus grandes
mestres”, são suas principais fontes. E há algo corajoso nessa tomada de
posição, nesse gesto de recuperação, que acaba por nos sugerir que esse
material todo ainda permanece vivo, não foi suplantado pelas constantes
reviravoltas da história da arte. A primeira impressão, a de que seria uma
espécie de homenagem da artista ao que se produzia no início do século,
assumindo ares francamente conservadores, é desconstruída no contato com as
obras.
As telas originalmente foram feitas para serem exibidas sem
chassis, como panos esticados diretamente sobre a parede. Na exposição, elas
foram coladas em outras telas, comuns, pintadas com cores escuras, para serem
expostas de modo mais convencional, mas que deixa entrever a intenção inicial
de Tatiana. A artista usa tinta acrílica, e não a convencional tinta a óleo, e
isso já a distancia da grande tradição da arte. Seu modo de pintar é displicente,
quase permissivo.
Grandes trechos de alguns trabalhos
ficam sem tinta, como se estivessem inacabadas. A artista coloca em cena
“maneiras” variadas, cada uma associada a um dos movimentos de vanguarda: pinceladas
à maneira impressionista, cores à la faüve, ambientes cubistas, construídos sem
a tradicional perspectiva clássica. As referências aparecem a todo momento,
como citação, rebaixados a condição de “segunda geração”. Em alguns casos,
palavras são escritas em cima da pintura, como pichações que depredam
monumentos.
A reencenação, estratégia bastante conhecida do público que
acompanha as artes visuais hoje, adquire aqui importância fundamental. A
pergunta que surge diante dessa constatação é: afinal, por que reencenar os
clássicos? Por que nos apresentar ainda esse repertório já conhecido da pintura
moderna em novas roupagens (mais despojada, mais à vontade, menos rigorosa). O
mercado responde a essa pergunta com uma afirmação simples: remakes de filmes
antigos, ou remixes de músicas conhecidas são um produto certeiro.
Enquanto a sucesso do original assegura que o tema tem forte apelo
junto para o presente, e vice-versa). Nesse movimento, algo impalpável, nos
melhores momentos, sobrevém em forma de frescor e insubordinação bem humorada.
Uma vocação – moderna por excelência – de retomar uma tradição que parecia já
encerrada. Nas pinturas de Tatiana Cavinato talvez possam ser entendidas como
um convite a entender o modernismo de outra forma, perceber ali potencialidades
ainda ocultas. Ou ainda como o enfrentamento de ao público, as modificações
“atuais” fazem a tradução da linguagem “do passado” para os mais jovens,
acostumados ao contemporâneo. Uma receita sem muitos riscos. Mas esse
certamente não é o caso das pinturas que vemos em exposição. O compromisso da
artista não é com o mercado. A tradição moderna é tematizada, é o lugar de onde
vem as figuras e paisagens que aparecem nas telas.
“Aquário dos animais”, o título escolhido para a mostra, faz
menção a esse espaço apartado, e de certa forma isolado – o aquário. As
pinturas talvez nos façam pensar que há algo nas “grande pinturas” das
vanguardas que não se esgotou, que ainda vive, mesmo que confinado, sob o
signo de “tradição”, “passado” ou de “arte moderna”. Distantes daquilo que
usualmente identificamos como contemporâneo, elas nos exigem esse movimento de
vai-e-vem do passado um impasse histórico posto a todos aqueles que trilham o
caminho da arte.
Thais Rivitti
quarta-feira, 2 de fevereiro de 2011
“Em seu clássico 'La condition postmoderne', Jean François Lyotard
nos lembrava que o saber científico não é todo saber. No início da noite do
século XX ele remarcou a existência do ' saber narrativo', repositório dos
costumes, da identidade e da organização das culturas. Com valor evidente em
sociedades que rotulamos de primitivas, este saber narrativo foi quase um
motivo de vergonha para a cultura ocidental que tanto se esforçou para
travesti-lo com uma roupagem racionalista que simplesmente não lhe serve.
Um pensamento que parece ganhar momento em nossos dias considera
que, assim como a pesquisa básica em campos como a física ou biologia é o que
alimenta as tecnologias, endereçadas ao mundo das coisas, a Arte constitui o
campo de experimentação do saber narrativo é nela que valores e novas formas
de se pensar as relações humanas fazem sua primeira entrada em nosso ambiente
social.
O estranhamento que experimentamos diante dos trabalhos de Tatiana
Cavinato, tem este sabor de se arriscar para além das fronteiras do conhecido.
Nosso espírito 'testa', experimenta esta confusão entre papeis
masculino/feminino, humano/animal ou moral/imoral e vai na verdade muito além
daquilo que podemos identificar e nomear.
O simples 'representar' não é nada. É a sua forma de pintar,
trabalhar as camadas de tinta, compor, exibir, misturar refinamento e
precariedade que desnorteiam nossa percepção e acoplam novos significados, para
os quais, a única maneira de atingi-los é esta: a Arte’’.
«Wagner Lungov
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